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Portishead, Third

"Esteja alerta para as regras dos três
O que você dá, retornará para você
Essa lição, você tem que aprender
Você só ganha o que você merece."

Assim começa a abertura do novo disco do Portishead, de praxe intitulado 'Third'. Confesso sem pestanejar que as frases em português (ainda de autoria desconhecida e misteriosa) da abertura em ‘Silence’ me deixaram espantado. Entretanto, advirto logo no início do texto: esse álbum da dupla Geoff Barrow e Beth Gibbons vai te perseguir por um mês, no mínimo. Vai ficar em seu cérebro, você vai deitar se lembrando das melodias. Ecos em seu cérebro. A repercussão que uma verdadeira obra precisa causar no receptor.

Revolvendo o passado da banda, verificamos que a mesma não segue os rituais de outras. Como assim? Ora, em 14 anos, apenas 2 discos oficiais, um ao vivo e alguns ep’s. Responsáveis por um dos melhores débuts dos anos 90, 'Dummy' (1994), o grupo mostrou que não viria à toa atingir nossos ouvidos. Com qualidade igual, quase um lado B, veio a seguir um disco intitulado apenas de 'Portishead' (1997). Pronto. Sucesso em dois álbuns estrondosos. Nome estabelecido entre tantos que apareciam no mercado (foram mais incensados do que outros grupos do chamado trip-hop noventista como Alpha, Unkle, Olive, Morcheeba, etc). E junto com o Massive Attack, o Portishead tornou-se figurão do estilo.

A idoneidade e o talento do Portishead veio a seguir com o lançamento de um disco que compilava músicas dos trabalhos anteriores e as transformava em versões monstruosas orquestradas. 'Roseland NYC' (1998). Uma orquestra com 35 instrumentistas acompanhando a dupla. Neste show, a sonoridade abundante certifica que, em meio a instrumentos acústicos, o grupo soa infinitamente rockeiro e as composições ganham peso descomunal, deixando pessoas mal-humoradas ao estilo embasbacadas com tal performance.

Dez anos se passaram. Por onde andava o grupo? Boatos de um novo disco. O terceiro tão esperado – desconsiderando o já citado ao vivo. Durante esse hiato, Beth Gibbons se embrenha numa tentativa solo, ou melhor, numa parceria com Rusty Man intitulada 'Out Of Season'. Apesar da sempre voz misteriosa e envolvente de Gibbons não perder o tom noir e a classe, o disco não teve muito impacto como foram os trabalhos do Portishead. Parecia um aviso. O nome consagrado precisava (e devia) continuar. Portishead, a marca, o P em maiúsculo sempre em destaque e agora sempre presente, tinha que mostrar a sua cara novamente. Em forma de mais um álbum.

A príncipio, 'Third' nos ilude. Uma doce ilusão. Parece falso. Ou algo de outra banda que imite perfeitamente a dupla. Porém, esqueça o que se convencionou chamar de Trip-Hop. Portishead vai mais além. Continua com a atmosfera inebriante dos primeiros discos, porém incorpora estilos como jazz, dub, soul, eletrônica, ambient, pop-rock em composições mais concisas e que fogem à rotina da sonoridade que comprometeu o estilo. Uma produção que dosa bem e de maneira correta tanto o lado acústico como o eletrônico. Posso garantir que a dupla ultrapassou a própria sonoridade que a solidificou. Um salto além-década de 90 que mostra dois músicos antenados com o que aconteceu musicalmente no mundo durante o preparo do disco.

Trazem fúria, agressividade e vertigem para uma peça acústica como 'Hunter'. Em 'Nylon Smile' mostram – de vez - como cordas podem casar perfeitamente sobre bases eletrônicas. E com certeza, te deixarão perturbado o dia todo com a cadência gradativa melódica de 'The Rip'. A evolução da maturidade de uma banda. O início da canção é algo dos discos anteriores, mas depois, o próprio duo nos trai e numa espécie de autofagia, mostra que devorou suas características para lançá-las em algo sofisticado, aprimorado, luxuoso, épico, misterioso e contemporâneo ao extremo. 'Plastic' assegura que eles ainda têm o dom de desestruturar a música. A subversão que o irlandês James Joyce fazia na escrita, o Portishead de Bristol faz na música. O caos sonoro com dezenas de efeitos e instrumentos agregado muito bem entre espasmos silenciosos. Para, então, repentinamente, tudo explodir e te deixar sem saber o que eles pretendiam realmente.

'We Carry On' apresenta um grupo com a percussão mais revigorada, com os samplers e sintetizadores mais ousados, sem nunca tirar o brilho da voz agridoce de Gibbons. Na minúscula 'Deep Water', eles até brincam fazendo uma espécie de música dos anos 50, como se estivéssemos ouvindo um disco não em estéreo, e sim em mono. Como o nome diz, ‘Machine Gun’ é uma metralhadora sonora que atira para todos os cantos de nossos tímpanos. Batida desnorteante, a voz de Gibbons, elementos percebidos a partir da quinta audição. O dom que a dupla tem de te hipnotizar e de fazer você dar o repeat para justamente perceber essas nuances. 'Small' é a mais complicada do álbum. Começa com camadas de vozes e um violino soturno, para então, inexplicavelmente, fugir do lirismo e ir para uma faceta mais psicodélica, cru e experimental. Quase um progressive rock, se assim podemos – e conseguimos – classificar em meras palavras.

E para muitos, 'Magic Doors' pode soar como a canção que mais lembre o Postishead da década de 90. Inconfundível. Depois, nos instantes finais do disco, você afirma: 'sim, são eles'! Quase que me enganaram. No final de 'Threads', aquele barulho tétrico e repetitivo deixa a minha mente num turbilhão de certezas, entre as quais: de que a arte musical sempre apronta quando parece monótona e sem originalidade, e de que o repeat de meu aparelho funcionará por muito tempo.

Banda: Portishead
Disco: Third
Ano: 2008
Gravadora: Mercury

Nota: 9,5