Existe algum projeto paralelo que consegue soar melhor do que a banda original do músico? Sim, a meu ver, começou a existir a partir de maio de 2008. Shearwater, é a resposta. Algo que já vinha sendo preparado com esmero e toque de Midas desde o anterior ‘Palo Santo’ (2006), agora se solidifica nas 10 peças magníficas de ‘Rook’.
Embora situar a ficha técnica/biográfica do Shearwater seja uma tarefa assaz complicada. Um trabalho extra-Okkervil River que começou apenas por hobby. Os dois mentores do Okkervil, Will Robinson Shef e Jonathan Meiburg, por trás do projeto. Assumiram uma sonoridade Okkervil, porém mais arredia ao folk-pop que a consagrou. Utilizaram mais elementos sinfônicos, mais nuances, mais pautada no pop-rock de fácil digestão. Até poderia concluir que a ousadia sonora do anterior do Okkervil River, o ‘The Stage Names’ (2007), estaria aqui bem representada em ‘Rook’, muita mais interpretada, concretizada, dinâmica, profusa e formulada.
Em ‘Rook’, os destaques ficam a cargo da perfeita performance vocal de Jonathan Meiburg. E até ocorreram boatos de que agora, ele é o principal componente, uma vez que Will Shef cuida mais do Okkervil. Meiburg deixaria um Jeff Buckley orgulhoso. E não tem nada a dever a um Nick Drake ou para outros vocalistas/letristas da mesma linhagem. Alternando calmaria, agressividade, melancolia, carisma, velocidade, segurança, o crooner derrama letras transbordantes de confissões, desamores, e outros sentimentos de nosso cotidiano. ‘Home Life’ e seus 7 minutos nem perceptíveis configura a síntese perfeita do que quero dizer, e claramente não consigo exprimir.
O segundo destaque que não pode ser passado em branco: o instrumental é impecável. Charmoso como uma orquestra, robusto como um pop-rock direto, estrondoso como uma ópera quando atinge seu momento mais climático. Também é difícil situar o projeto num único estilo, num único formato e a cada música, percebemos um novo impacto sonoro. Detalhes mínimos que se assemelham como diamantes em um anel. A acentuada bateria marcial de ‘Lost Boys’, pianos e guitarras dedilhadas trazendo flashes de paisagens cinematográficas em ‘I Was A Cloud’, um momento à la Beatles em ‘The Hunter’s Star’ ou até a mesma sensação que compositores como um Angelo Badalamenti nos faria sentir facilmente pode ser traduzida em ‘South Col’.
Esta última canção citada serve de prelúdio onírico para dar entrada à música-sensação do ano. Não somente do disco, falo de 2008 mesmo. Se você é daqueles impacientes, e que vive querendo saltar faixas de uma produção musical, pare na faixa 9. Pronto. Respire, desligue-se do mundo ao seu redor, fique atento durante 5 minutos e alguns meros segundos. Eles serão comparados a uma eternidade à qual você se prenderá e não fará questão de sair. Por um bom motivo. O Shearwater consegue gerar a música perfeita. Exemplar. Memorável. Como crítico, não deveria dizer; digo assim mesmo assumindo as conseqüências: a música que faria (ou tentaria fazer) caso tivesse uma banda. E eu pretendia ouvir algo assim. Queria algo que me arrebatasse. A resposta: ‘The Snow Leopard’. Um ‘leopardo’ que mostra-se a início, frágil e dócil através de um singelo piano, a voz de Meiburg nos hipnotizando, e, logo depois, desfia sua ferocidade, nos arranha com suas guitarras dilaceradas, ganhando um tom meio sinfônico e mais aceleração, para no final, nos deixar petrificados como ordinárias e mudas estátuas congeladas pela ‘neve’.
Para comentar uma música, quase meia resenha. Foi inevitável para algo tão belo. Porém, poderia ficar dizendo muito mais. Ainda tem a abertura de ‘On The Death Of The Waters’ com sua transição oportuna entre a calmaria e a barulheira. Ou mesmo a cara de hit total ‘Rook’, que nos eleva com seus sopros marcantes e cordas luxuosas. A mais pop-rock do disco.
Sinto-me apenas triste por não dar muitas informações sobre o Shearwater. Geralmente, gosto de deixar o leitor bem acomodado. Bem situado sobre a ficha técnica do grupo/artista. Porém, ficarei mais triste e chateado se você não ouvir esse disco. De preferência, que seja em 2008 ainda. Pois o álbum compensa mais do que as palavras que aqui foram, de alguma forma, esquecidas ou omitidas.
Artista: Shearwater
Disco: Rook
Ano: 2008
Gravadora: Matador Records
Nota: 9,2